Patrimônio em movimento
  • O modo artesanal de fazer queijo em Minas Gerais

    É um patrimônio cultural imaterial brasileiro, conforme registro feito pelo Conselho Consultivo do IPHAN no Livro do Registro dos Saberes em 13 de junho de 2008.

  • Porto do Capim

    Existe na área de entorno do centro histórico de João Pessoa um núcleo de habitações onde residem por volta de 450 famílias, essa região é conhecida como Porto do Capim

  • São Luiz do Paraitinga

    A cidade de mil festas

  • Samba do Rio de Janeiro

    O Samba do Rio de Janeiro, mais popularmente conhecido como samba carioca, o samba do morro ou o samba urbano, tão adorado símbolo nacional, teve como marco local a Pedra do Sal, no morro da Conceição, no início do século XX

Porto do Capim

Descrição
O Porto do Capim está localizado no Centro Histórico da Cidade de João Pessoa. Em nível estadual, o perímetro de proteção foi estabelecido por meio do Decreto n. 9884/82. O tombamento federal, instruído pelo do Processo de Tombamento N⁰ 1.501-T-02, ocorreu em 2002, a formalização ocorreu em 2007 quando o centro histórico de João Pessoa foi inscrito no Livro do Tombo Histórico e no Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico. 

Imagem 1: Perímetro de tombamento federal do centro histórico de João Pessoa


 
Fonte: Gonçalves, 2014. 


Segundo legislação federal, a área de proteção delimitada pelo tombamento divide-se em poligonal de tombamento e poligonal de entorno, ou seja, uma área de proteção rigorosa, cujo o objetivo é proteção e conservação da coisa tombada e uma zona de amortecimento e transição, que visa diminuir os impactos do crescimento da cidade sobre a poligonal de tombamento. “A definição do entorno requer compreender a história, a evolução e o caráter dos arredores do bem cultural. Trata-se de um processo que deve considerar múltiplos fatores, inclusive a experiência de aproximação ao sítio e ao próprio bem cultural. ” (Declaração de Xi’an, 2006, p.02). 

Existe na área de entorno do centro histórico de João Pessoa um núcleo de habitações onde residem por volta de 450 famílias, essa região é conhecida como Porto do Capim, em destaque na imagem 1. 
Os moradores do Porto do Capim iniciaram o processo de ocupação do território na década de 1940, após a desativação do Porto Internacional do Varadouro. Com a desativação da função portuária, as famílias dos trabalhadores do antigo porto e famílias que viviam nas ilhas do estuário do Rio Paraíba foram pouco a pouco construindo suas casas nessa região que é conhecida como “o berço da cidade”. 
Hoje o Porto do Capim é um bairro com ruas asfaltadas, as casas possuem agua encanada e luz as quais são fornecidas pelas empresas responsáveis pela prestação dos serviços, coleta de lixo (ainda que precária), intenso comercio de grandes empresas madeireiras, pequeno comercio local (principalmente bares, lanchonetes e mercadinho), dos quais muitas famílias tiram seu sustendo. Além disso, o Porto do Capim está próximo do terminal de integração de ônibus municipal, rodoviária e estação da CBTU, estruturas fundamentais que permite o deslocamento dos moradores para outras áreas da cidade.

Imagem 2: Território do Porto do Capim
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Fonte: Acervo da pesquisadora Helena Gonçalves, 2019. 

Em 2014 o Porto do Capim foi reconhecido pelo Ministério Público Federal, via parecer antropológico, como Comunidade Tradicional Ribeirinha. O que torna esses sujeitos ocupantes legítimos desse território. 
Com objetivo de transformar a área de fundação da cidade num espaço para fruição estética e museal com fins turísticos, uma série de ações de revitalização vem sendo formulada por gestores do centro histórico desde a década de 1990, essas ações compõem o Projeto de Revitalização do Antigo Porto do Capim, o qual prevê a remoção da população local para a construção de praças e implementação de turismo náutico. Tal projeto vem sendo reformulado ao longo dos anos e sob a justificativa da necessidade de resgatar o vínculo entre o rio e a cidade, todas as versões do projeto de revitalização preveem a remoção da população local. 
Em 2013, a partir de convênio firmado entre governo federal e prefeitura municipal, por meio do PAC Cidades Históricas, as intervenções previstas no Porto do Capim tornaram-se uma ameaça muito próxima a continuidade do modo de vida de seus moradores, uma vez que o projeto prevê a remoção das moradias para implantação de um complexo turístico. A eminencia da remoção provocou a organização política dos moradores em defesa do território, esse é o caso da Comissão do Porto do Capim em Ação, da Associação de Mulheres do Porto do Capim e do Grupo de Jovens Garças do Sanhauá. Esses grupos contam com uma rede de apoio e parceiros que se solidarizam a causa, como ONGs e a Universidade Federal da Paraíba, principalmente através da extensão universitária, proporcionando a execução de uma série de projetos envolvendo diversas áreas do conhecimento. 
Atualmente a comunidade segue mobilizada e em luta em defesa do território, se reconhecem não só como parte do centro histórico, mas como patrimônio vivo desse sítio. Reivindicam que suas histórias, suas tradições e suas memórias sejam incluídas e respeitadas pelo Estado.

LUTA e RESISTÊNCIA
Festas

Com o objetivo de atualizar e fortalecer vínculos comunitários e promover interação com a população da cidade, os moradores do Porto do Capim organizam algumas festas ao longo do ano, entre elas as principais são: Carnaval (mês de fevereiro), São João (mês de junho), Raízes do Porto (5 de agosto), Procissão de Nossa Senhora da Conceição (8 de dezembro) e Natal Cultural (mês de dezembro).
Dentre essas celebrações, a que mais alcança visibilidade é a Procissão de Nossa Senhora da Conceição. Contam os moradores que há 30 anos Dona Penha, uma das primeiras moradoras do Porto, fez uma promessa para Nossa Senhora da Conceição e, quando teve sua graça alcançada se comprometeu a realizar, todos os anos, uma procissão fluvial até a Ilha da Santa, onde é realizada uma missa.
A celebração começa com a alvorada e um café da manhã servido na Igreja São Frei Pedro Gonçalves, localizada próximo ao bairro, no centro histórico. Após o café da manhã a procissão terrestre segue com a imagem da Santa até as margens o trapiche, quando os fiéis vão de barco até a Ilha da Santa, onde é rezada uma missa. 

Imagem 3: Procissão de Nossa senhora da Conceição. 8 de dezembro de 2019.
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Fonte: Acervo da Pesquisadora Helena Gonçalves, 2019. 

Turismo Comunitário
As ações organizadas pelo Coletivo de Jovens Garças do Sanhauá estão relacionadas, principalmente, a manutenção do Ponto de Cultura Comunitário do bairro, a formação política dos adolescentes e na gestão do projeto Vivenciando o Porto, um projeto de turismo comunitário. O pacote da visita é composto por um tour guiado pelo bairro, uma apresentação no ponto de cultura sobre a história de luta dos moradores em defesa do território, almoço elaborado de acordo com a culinária local, a Mariscada e apresentação do grupo de dança As Comadres. O pacote completo custa R$ 30,00 por pessoa. Para realizar o passeio é necessário formar um grupo com dez pessoas.

Imagem 4: Vivenciando o Porto.
Fonte: Acervo da pesquisadora Helena Gonçalves, 2018.

É nessa edificação onde é iniciado o trajeto do Vivenciando o Porto é contada a história de construção do Porto Internacional do Varadouro, com foco nas histórias dos trabalhadores do Porto e na chegada das primeiras famílias na região. O passeio segue caminhando pelas principais ruas do bairro, visita ao trapiche e o circuito termina no Ponto de Cultura, onde o grupo faz uma apresentação sobre o histórico de luta da comunidade.

Demolições
A atuação do Ministério Público Federal propiciou a condução de um diálogo entre comunidade e a prefeitura, na intenção de encontrar soluções para atender os interesses de ambos. No entanto, a prefeitura rompeu o processo de negociação construído durante os últimos três anos quando em março de 2019 os moradores foram surpreendidos com uma Notificação emitida pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente solicitando que as famílias desocupassem voluntariamente suas casas num prazo, improrrogável, de 48 horas e ameaça multar aqueles que se recusassem a sair por meio de cobrança judicial via ação de execução fiscal. Os moradores receberam a notificação junto com a notícia de divulgação da execução do projeto Parque Ecológico Sanhauá, veiculado pelos canais das redes sociais da Prefeitura Municipal. 
Importa contextualizar que no território da comunidade do Porto do Capim foram realizadas ocupações recentes de famílias que não se identificavam como comunidade ribeirinha e estabeleceram suas moradias na localidade com a intenção de conseguir participar de algum programa habitacional. E vale ressaltar que a rapidez do avanço da Prefeitura em proceder com o projeto do Parque Sanhauá é atípica.
Nos últimos meses, intensivamente, agentes públicos da prefeitura realizaram abordagens individuais com as famílias moradoras das três localidades do Porto do Capim abrangidas na primeira etapa do projeto. À medida que acordos pontuais foram firmados com algumas famílias que concordaram com a remoção, a prefeitura iniciou uma intervenção violenta na comunidade. 
Sob o pretexto de evitar novas ocupações nos imóveis das famílias que aceitaram o auxílio-aluguel, a prefeitura decidiu por demolir as residências desocupadas. No entanto, a forma agressiva que tal medida foi realizada provocou inúmeros prejuízos e transtornos para os moradores que compõem a comunidade tradicional e ribeirinha do Porto do Capim. Rachaduras, paredes quebradas, casas com abastecimentos de luz e água comprometidos, entulho e sujeira provocados pela demolição espalhado pela localidade, comerciantes locais prejudicados com o abastecimento de seu estoque, em virtude do cenário de destruição. 

Imagem 6: Demolições de casas. Maio de 2019.
Fonte: Acervo da pesquisadora Helena Gonçalves, 2019. 

ESPAÇOS COMUNITÁRIOS
Ponto de Cultura
O Ponto de Cultura Comunitário é um espaço destinado as atividades educativas direcionadas as crianças do bairro. A responsabilidade pela gestão é do Coletivo de Jovens Garças do Sanhauá, que mensalmente organizam eventos, como bingo, bazar e almoços para arrecadar o valor necessário para o pagamento das despesas de energia elétrica e aluguel.

Imagem 7: Sede do Ponto de Cultura Comunitário
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Fonte: Acervo da pesquisadora Helena Gonçalves, 2019.

Praça da Resistência
Em resposta às ações de demolição promovidas pela prefeitura municipal, os moradores organizaram mutirões para limpeza dos terrenos e retirada dos entulhos e criaram um espaço de uso coletivo, uma praça, onde os moradores se reúnem no fim de tarde, onde as crianças brincam de bola e bicicleta, o espaço também é utilizado para realização de eventos, como o I Seminário Entre Redes, organizado pela Associação de Mulheres, onde foi discutido questões relacionadas ao direito ao território de comunidades tradicionais. 
A Praça da Resistência marca um momento da luta dos moradores que foi extremamente dolorosa, a destruição de parte do bairro, mas diz respeito também a forma como os moradores elaboram respostas às ações de remoção. A existência da praça, ao mesmo tempo que remete a um momento crítico na vida dessas pessoas, também é um símbolo de fortalecimento da organização de moradores, que lutam todos dias pelo direito de habitar o centro histórico da cidade. 

Imagem 8: Praça da Resistência
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Para mais informações acesse:


Pesquisa e texto 
Helena Tavares Gonçalves
Programa de Doutorado em Ciências Sociais, IFCH
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Queijos artesanais, o saber-fazer

Descrição
O saber-fazer é um conhecimento tácito, construído a partir da articulação entre subjetividade e prática dentro de uma lógica específica de tempo e espaço. Ele pode existir em diferentes áreas a partir de ações geralmente voltadas para o trabalho e para um ofício. De acordo com Sennet (2015), para que o saber-fazer tenha continuidade é preciso que seja transmitido, mas como se transmite um conhecimento, algo tão individual? Na prática ele é intransferível, cada saber-fazer é único. Suas manobras, sentidos, sensações e técnicas não serão encontradas em um livro de receitas, reproduzidas em um curso, nem podem ser doadas de pai para filho. Entretanto, um saber-fazer se aprende, ele é construído no gerúndio, como aponta Dutra (2002), se aprende vendo, ouvindo e fazendo.
Essa aprendizagem é construída em um tempo e espaço específicos, normalmente estão articulados com o lugar onde o ofício é exercido no dia-a-dia. Essa construção requer tempo e uma execução prática suficientemente rotineira até que o artesão desenvolva seu próprio conhecimento e autonomia sobre o que produz. Esse processo rotineiro constrói o saber-fazer e suas astúcias. A astúcia do saber-fazer é a inteligência construída a partir dos interstícios cotidianos da execução do ofício, Détienne e Vernant (2008) a associam à Métis, deusa da astúcia.
Para resgatar e explicar a ideia de Métis, Marcel Détienne e Jean-Pierre Vernant (2008) recorreram a diversas passagens da mitologia grega, segundo a qual Métis foi a primeira esposa de Zeus e a responsável por grande parte de seus poderes. Deusa da astúcia, Métis conseguia com sua inteligência transformar-se em diferentes seres e objetos, flexibilidade que dava a ela a capacidade de lidar com diferentes situações. Contudo, essa inteligência era ao mesmo tempo temida e subjugada pelo próprio Zeus, que como alternativa para o medo de ser derrotado pela Métis, pediu que ela se transformasse em uma gota de água e a engoliu, ficando com toda a inteligência astuciosa para si.
É possível fazermos diversas analogias entre a Deusa da Astúcia e o saber-fazer artesanal, entre eles o saber-fazer queijos artesanais se encaixa bem ao que mito da Métis representa. Um saber-fazer minucioso, repleto de astúcias aprendidas ao longo dos anos a partir da relação cotidiana entre queijeiros, matéria-prima e utensílios. Esse saber-fazer artesão dá origens a queijos que não podem ser reproduzidos de forma padronizada, nem em grande escala, cada produto é único. No entanto, os queijos artesanais brasileiros sofrem sanções legais em sua comercialização, tais proibições se justificam pelo processo de fabricação desses queijos, que envolve práticas e matéria-prima consideradas perigosas à saúde humana.
A partir da década de 1950, começaram a ser pensadas no Brasil leis baseadas em normas vigentes nos Estados Unidos (CRUZ e MENASCHE, 2014), guiadas pela ideia de pasteurização. As descobertas da ciência e as regras sanitárias que a sucederam, construíram o que Paxson (2008) chama de cultura da pasteurização, que se configura em um cotidiano embalado por regras, noções sanitárias e de higiene específicas. Dentro dessas regras o saber-fazer queijos artesanais não se encaixa, e para que os queijeiros e queijeiras continuem a exercer seu ofício precisam modificar suas práticas, ou ficarem na clandestinidade.
Há no Brasil quase cem queijos artesanais tradicionais, conforme um mapa produzido pelo movimento slow food. Dentro da fabricação de todos estes queijos artesanais existem vários utensílios, matéria-prima e práticas que são proibidos. Qualquer utensílio feito de madeira, por exemplo, não pode ser utilizado na fabricação dos queijos artesanais, de modo que formas, bancas e prensas de madeira – de onde é recolhido o pingo – devem ser substituídas por similares feitos de outro material. Outro exemplo é a proibição do leite cru na fabricação dos queijos artesanais, de acordo com as normas, queijos feitos a partir desta matéria prima devem ser curados por, no mínimo, sessenta dias.
É sabido, como aponta Santos (2013), que devido a obrigatoriedade do uso de bancas de ardósia e formas de plástico, que os utensílios de madeira têm sido progressivamente substituídos e retirados das propriedades que produzem queijos. Por mais que a produção do queijo não dependa exclusivamente dos utensílios de madeira, eles fazem parte da tradição, de uma cultura, compõe a execução das técnicas e integram o saber-fazer artesanal, pois como afirma Meneses (2006), materialidade e imaterialidade são partes indissociáveis do processo de fabricação dos queijos artesanais. Os utensílios de madeira, interligados aos conhecimentos e saberes tradicionais, constituem o saber-fazer e a Métis (DÉTIENNE & VERNANT, 2008) a ele relacionada. Se os utensílios de madeira sempre fizeram parte da produção desses queijos, quando são substituídos todo o saber acumulado ao longo do tempo e a astúcia a eles relacionada sofrem um rompimento.
Assim como a Métis tinha sua inteligência astuciosa subjugada e desvalorizada, o saber-fazer envolvido na fabricação dos queijos artesanais, embora sejam praticados há séculos e possuam sua eficácia garantida, estão na margem do conhecimento instituído através das normas sanitárias como corretos. É o que ocorre com o uso dos utensílios de madeira, do leite cru, ou mesmo do não uso de luvas durante a fabricação dos queijos. Essas práticas e itens não integram o saber-fazer até os dias atuais por acaso. A inteligência astuciosa de produtores e produtoras de queijos artesanais os mantiveram ali por serem eficazes e terem sentido na fabricação dos queijos. Essa noção pode ser corroborada pelo que afirmou Mauss (2009) sobre as tradições serem as inovações que deram certo. Contudo por ser uma tradição construída a partir de um conhecimento não convencional, ela não é respeitada e se mantém marginalizada perante normas sanitárias e seus fiscais.

Patrimônio Cultural Imaterial
Diante de mudanças incisivas previstas pelas normas sanitárias os produtores do Queijo Minas Artesanal se mobilizaram em prol do registro de seu modo de fazer como Patrimônio Cultural do Brasil. Em 2008 o Queijo Minas Artesanal se tornou o primeiro queijo registrado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e até o momento é o único queijo brasileiro que possui seu modo de fazer registrado pelo órgão. No entanto, há em andamento o processo de registro do modo artesanal de fazer o queijo Serrano, fabricado por queijeiros e queijeiras dos estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
O registro desses bens, embora seja algo almejado pelos produtores, não é o suficiente para garantir a liberação do comércio desses queijos artesanais (CRUZ, 2012). Ao mesmo tempo, é uma forma de legitimar, reconhecer, salvaguardar e valorizar o saber-fazer artesanal envolvido na fabricação destes produtos. Além disto, o registro serve para munir queijeiros e queijeiras de argumentos – respaldados pelo próprio Estado, representado aqui pelo IPHAN – para reverterem a lógica imperante nas normas sanitárias que, se continuarem vigentes da maneira como está, pode modificar ou extinguir efetivamente o saber-fazer e, consequentemente, os queijos produzidos a partir dele.

Proteção
As normas sanitárias somadas ao aumento da concorrência e pressão das indústrias de laticínios sobre os queijeiros, agem sobre a continuidade da fabricação dos queijos artesanais. Muitos queijeiros renunciam aos modos tradicionais e artesanais, a partir dos quais sempre fizeram seus queijos, para poderem se encaixarem nas normas e saírem da clandestinidade. Outros acabam optando por parar a sua produção em prol de vender o leite produzido em suas propriedades para laticínios das regiões onde moram. Há ainda alguns queijeiros que param não só a produção de queijo, como também a criação de gados e mudam o ramo de trabalho. Ações que ameaçam diretamente o saber-fazer queijos artesanais em todo o país. Conforme dito anteriormente, o Queijo Minas Artesanal é o único queijo registrado pelo IPHAN como patrimônio cultural imaterial até o momento. Dentre as medidas de Salvaguarda para este queijo está o apoio por parte do instituto a políticas que incentivem o modo artesanal de fazer o Queijo Minas. No registro do modo artesanal de fazer o queijo minas torna-se evidente a expectativa de que parcerias com universidades, associações e organizações pudessem desenvolver pesquisas e ações que produziriam um movimento de valorização ainda maior deste queijo.
As expectativas foram, de certa maneira, cumpridas. Não apenas o Queijo Minas Artesanal foi valorizado desde seu registro no ano de 2008. Os demais queijos artesanais e tradicionais brasileiros, também tiveram alguma valorização ao longo destes anos. É possível destacar alguns grupos como SertãoBras, Slow Food e Comer Queijo que atuam na descoberta, divulgação e valorização dos queijos artesanais em todo o país. Além do número crescente de pesquisas universitárias sobre os queijos, nas mais diversas áreas do conhecimento – Humanas, Biológicas e Agrárias – que acabam por gerar resultados tanto para a prática no campo, quanto para argumentar frente as normas sanitárias que proíbem sua comercialização.

Bibliografia

BRASIL. Decreto nº 30.691, de 29 de março de 1952. Aprovao novo Regulamento da Inspeção Industrial e Sanitária deProdutos de Origem Animal. Diário Oficial da União.7 jul. 1952.

BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Portaria nº 146 de 07 de março de 1996. Regulamento Técnico de Identidade e Qualidade de Queijos e Regulamento Técnico Geral para a Fixação dos Requisitos Microbiológicos de Queijos. Aprova os Regulamentos Técnicos de Identidade e Qualidade de Produtos Lácteos. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, 11 mar. 1996. Seção1, p. 3977.

CRUZ, Fabiana Thomé da. Produtores, consumidores e valorização de produtos tradicionais: um estudo sobre qualidade de alimentos a partir do caso do queijo serrano dos Campos de Cima da Serra- RS. Porto Alegre, RS; 2012. Tese (Doutorado em Desenvolvimento Rural).

DÉTIENNE, Marcel; VERNANT, Jean Pierre. Métis- as astúcias da inteligência. São Paulo: Odysseus Editora, 2008.

DUTRA, Rogéria Campos de Almeida. Maneiras de fazer, modos de proceder: a tradição reinventada do pão de canela na serra da mantiqueira, Minas Gerais. Revista Horizontes Antropológicos: ano 18, n. 38, p. 237-253, jul./dez. 2012.

MAUSS, Marcel. Ensaios de Sociologia. São Paulo: Perspectiva, 2009.

MENESES, José Newton Coelho de. Queijo artesanal de Minas: patrimônio cultural. Dossie Interpretativo, Belo Horizonte, 2006.

PAXSON, Heater. Post-Pasteurian cultures: the microbiopolitics of Raw-Milk cheese in the United States. Cultural Anthropology, Vol. 23, Issue 1, pp. 15–47. 2008.

SANTOS, Jaqueline Sgarbi. Dilemas e desafios na valorização de produtos alimentares tradicionais no Brasil: um estudo a partir do queijo do serro, em Minas Gerais, e do queijo serrano, no Rio Grande do Sul. 2014. Tese (Doutorado em Sistemas de Produção Agrícola Familiar) – Universidade Federal de Pelotas – RS.

MENASCHE, Renata. Importância dos utensílios tradicionais na elaboração do queijo artesanal da região de Serro, em minas gerais, brasil. XV ENPOS. Pelotas : XV ENPOS, 2013

SENNETT, Richard. O artífice. 5ª edição – Rio de Janeiro: Record, 2015.

Pesquisa e texto
Belisa Lamas Gaudereto, Doutorado em Ciências Sociais, IFCH
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São Luiz do Paraitinga

Descrição
Está localizada na Serra do Mar e é um importante destino turístico da região do Vale do Paraíba, em particular, devido ao seu Centro Histórico e festas populares. Fundado em 1769 através de um plano entregue às famílias, com desenhos do tipo de casas que deviam ser construídas para se montar a primeira vila. Tombado pelo IPHAN e Condephaat, como Patrimônio Cultural Nacional e do Estado de São Paulo respectivamente, São Luiz do Paraitinga é conhecida por seu casario, marchinhas e tradições caipiras, incluindo a Folia do Divino e o Carnaval. 

Por suas características históricas e urbanísticas, foi dividida em dois setores para efeito das ações de proteção: o principal tipo de turismo praticado na cidade é o assim denominado ‘cultural’, ou seja, o que tem como principal atrativo festas religiosas ou profanas, que têm como pano de fundo a paisagem urbana, um atrativo essencial devido à importância de seus edifícios e da estrutura urbana histórica. Um marco no desenvolvimento turístico de São Luiz do Paraitinga foi a elevação da cidade à categoria de Estância Turística do Estado de São Paulo em 2002. 
Neste processo, a cidade tornou-se conhecida por suas marchinhas, ou como a cidade do carnaval de marchinhas. Como muitas manifestações culturais populares, cada festa reúne certas características únicas. Festas como Festa do Saci e seus amigos, comemorações de santos católicos – São Sebastião, São Benedito etc. –, Festa do Divino Espírito Santo (onde ocorre a Folia do Divino), entre outras e durante o ano, são emblemáticas de São Luiz do Paraitinga para os seus habitantes e visitantes. O Carnaval das Marchinhas mostra a reelaboração de elementos da cultura caipira, assim como a Festa do Divino do Espírito Santo, que são os eventos mais importantes da cidade (ALLUCCI: 2015, p.20).
O carnaval, tão essencial para a região, foi proibido pela Igreja Católica por 60 anos, entre 1920 a 1980. Retomado em 1981, desenvolveu aspectos diversos e atraentes, como descreve Alluci, com clareza: 
“comemorado com fantasias imaginativas de chita, latinhas, lençóis, fitas, máscaras artesanais, cartolas, mas, principalmente, com marchinhas próprias cantadas por todos, compostas pelos luizenses, repletas de histórias locais e a dose de malícia necessária à ocasião” (ibidem, p.29).

Cada bloco representa uma temática principal – com marchinhas e coreografias próprias – apresentando personagens imaginados e reais, que variavam, por exemplo, entre Saci e Lobisomem, motoristas de ônibus, como seu Barbosa (Figura 2). As marchinhas eram compostas pelos próprios luizenses – não apenas músicos –, que continham em seus elementos, além da cultura caipira, narrativas folclóricas, religiosas, fatos e histórias locais.

Figura 2. Boneco do Seu Barbosa, Carnaval de São Luiz do Paraitinga. Foto: Jerry Rodriguez (ALLUCCI, 2015)

Apesar da animação da festa, os luizenses criticam a falta de infraestrutura da cidade e de planejamento para o Carnaval, que chega a reunir 40.000 pessoas (cinco vezes mais que seus habitantes). Faltam, segundo eles, mão-de-obra e incentivos financeiros (créditos) para a construção de novas pousadas, restaurantes e comércio. (ALLUCCI, 2015)

Preservação e uso
Historicamente, os portugueses com suas construções se beneficiaram do ambiente natural construindo as casas nas encostas dos morros e, principalmente, junto às margens do rio Paraitinga cuja água era essencial para a vida cotidiana. A partir do tombamento, abrindo-se o caminho para a preservação. O tombamento pelo CONDEPHAAT, em 1980, abre caminho para a melhoria das condições de vida na cidade, que se voltou para o turismo. (Santos, 2006)
Segundo alguns moradores, o tombamento feito em 1980 teve alguns impactos no cotidiano de São Luiz do Paraitinga. Mas apesar para moradores como Judas Tadeu, 61 anos, a destruição do patrimônio local não cessou. Ela continua presente no cotidiano local:
“(...) mudou muita coisa, já se perdeu uma serie de imóveis, derrubados pela própria Prefeitura, pelos próprios proprietários, o casarão do Zé do Cenor, o antigo Hotel Central (Figura 3) ali onde hoje é a loja do Juvenal, ali derrubaram e fizeram aquilo que está lá (...) a antiga Cadeia também foi derrubada (...)”.
Figura 3. Casa na Rua Cel. Domingues de Castro (já desaparecida) onde funcionava em 1931 o Hotel Central. Todos os vãos têm verga em arco-conopial, com exceção do pórtico, em arco-pleno. Fonte: Santos, 2006, 65. Dossiê IPHAN.

Já para Monsenhor Tarcisio de Castro Moura, 89 anos, houve mudanças na cidade. O morador alega as péssimas condições financeiras da população, sendo um dos maiores problemas da má preservação dos imóveis locais causados por “falta de instrução” da população local. Para ele:
“(...) deixaram cair muitas casas aí, os proprietários foram embora, uns faleceram, não importa, essa casa está muito velha vamos derrubar. (...) é falta de conhecimento das coisas, falta de instrução do povo. (...) essa falta de instrução dificulta muito a preservação de qualquer coisa. (...) eu vejo com muita dor de coração o desplante do pessoal, derrubaram aqui, derrubaram ali e modificaram tudo, coitadinha da Rua Barão (...)”. 

Desta forma, as intervenções feitas em São Luiz do Paraitinga, em prol ou contra a preservação, demonstram que o conflito entre usar e preservar o patrimônio está presente até mesmo entre os moradores, esquecendo-se do principal desafio que é usar sem destruir. O poder público, por meio das intervenções realizadas, não estimula o visitante a sair do Centro Histórico para conhecer o restante da cidade. Assim, evita o contato com a ineficiente coleta de lixo, com a carência em serviços de coleta de água e de esgotos, com a ocupação desordenada, enfim, com os inúmeros problemas urbanos (Santos, 2006). Assim, cria-se uma imagem positiva do município a partir do Centro Histórico, como um lugar de celebrações e diversão. 

Para que isto seja repensado e melhorado, é necessário um planejamento urbano eficiente e um plano diretor ativo. A ausência destes mecanismos, como relatado pelos moradores, pode descaracterizar o patrimônio local e impossibilitar a implantação desta importante atividade econômica. Como salientado por Francisco de Oliveira (OLIVEIRA, 2002), por meio de discursos, os administradores públicos tendem a desvirtuar o exercício da cidadania, procurando esconder os conflitos existentes, como ocorre em São Luiz do Paraitinga, onde se retiram a população desfavorecida e os edifícios mais deteriorados através de intervenções pontuais:
“O desenvolvimento local tende a substituir a cidadania, tende a ser utilizado como sinônimo de cooperação, de negociação, de completa convergência de interesses, de apaziguamento do conflito. O desenvolvimento local, em muitas versões, é o novo nome do público não-estatal, essa confusão semântica proposital bresseriana. Tomemos o caso das novas revitalizações dos centros históricos, que está na moda. Qualquer revitalização, cujo nome já trai seu significado, pois quer dizer que, antes, ali não havia vida, significa apenas o deslocamento do conflito, não sua resolução.” (p.24, OLIVEIRA, 2002)

Em suma, o crescimento do turismo em São Luiz do Paraitinga levanta duas questões. A primeira é que o turismo contribui para a conservação da paisagem e do patrimônio da cidade, pois ele é um dos principais recursos econômicos da cidade; a segunda é que a adequação da paisagem para o turismo provoca impactos negativos neste ambiente, fato que pode comprometer a qualidade ambiental do Centro Histórico (Castro, 2008). 

Enchentes
No primeiro dia de 2010, São Luiz do Paraitinga foi atingido pela maior inundação de sua história. As águas do rio Paraitinga subiram aproximadamente doze metros acima de seu leito habitual, causando a destruição de grande parte do patrimônio histórico arquitetônico e causando diversos prejuízos à população. A enchente atingiu, principalmente, o centro histórico, conhecido por possuir o maior conjunto de casarões do século XIX do Estado de São Paulo - 18 arruinados e 65 sofreram algum tipo de agravo. 

Figura 4. São Luiz do Paraitinga, pós-desastre. Foto: Lucas Lacaz Ruiz. 
Segundo Santos (2015), 
“O processo de reconstrução da cidade foi marcado por ter a cultura local como protagonista que, em diversas situações obrigou o poder público e os órgãos de preservação do patrimônio histórico a reverem projetos pré-concebidos e contemplar a identidade local como objetivo primordial”. 

Além dos danos aos edifícios, João R. C. C. dos Santos cita em sua tese de doutorado, que de acordo com “Avaliação de Danos – AVADAN (formulário de avaliação de danos), (...) 5.050 pessoas ficaram desalojadas, 95 desabrigadas e cerca de 11.000, entre essas luizienses e visitantes, foram afetadas pelas enchentes.” (p.87). Mesmo com a população atenta às enchentes frequentes por sua proximidade com o Rio Paraitinga, a cidade não estava preparada para fazer escoar tamanha quantidade de água. Neste período, pós-desastre, o Jornal da Reconstrução – criado pela cooperação entre várias instituições e pesquisadores, com objetivo de informar a população local sobre os detalhes da tragédia – revela que estes estiveram ligados a problemas ambientais, principalmente a falta de vegetação ciliar do rio Paraitinga, a impermeabilização do solo feita pela prefeitura, a ocupação de áreas de inundação do curso d’água em tempos de chuva, entre outros.
Apesar das estratégias pós-desastre serem inexistentes na maioria dos municípios brasileiros, assim como São Luiz do Paraitinga, a população trabalhou em conjunto nas primeiras urgências quase sem esperar pela ajuda estatal. A recuperação da cidade teve ajuda também de especialistas da UNESP, UNITAU, USP, que acompanharam o dia a dia no momento em que a população estava desorientada e em crise, desfazendo boatos e colaborando com a organização.
Logo após a catástrofe, a cidade tornou-se palco de destaque, fazendo com que intelectuais, mídia, políticos e moradores clamassem pela necessidade, urgente, de se reerguer um dos maiores patrimônios culturais do Estado de São Paulo. Desta forma, o turismo foi utilizado como estratégia de reconstrução. Para tanto, criou-se um programa denominado “Canteiro Aberto”, com o objetivo de dinamizar a economia local a partir do incentivo ao acompanhamento e realização de visitas técnicas das obras e ações de reconstrução do patrimônio arquitetônico. 
Ademais, com a participação dos atingidos nas estratégias de recuperação, fortaleceu-se o sentimento de pertencimento. As raízes históricas foram, ao mesmo tempo, submergidas e fortalecidas, apoiando-se na cultura popular. Sendo assim, decidiu-se coletivamente manter o calendário festivo de 2010, que se tornou essencial nos processos de superação do trauma pela cidade.
Contudo, deve-se fazer um adendo. Se, por um lado, os tombamentos pelo Condephaat e pelo Iphan permitiram a obtenção de recursos para a reconstituição do centro histórico, por outro, dificultou o processo de efetiva construção da cidade devido às exigências decorrentes de sua proteção (burocracia) enquanto patrimônio pelo Estado (Santos, 2015). Assim, a reconstrução do Centro Histórico deu origem a uma paisagem ambígua, de ruínas, casarões reconstituídos e novos edifícios.
São Luiz do Paraitinga, São Paulo
Figura 5. Foto de Nana Vieira, O divino em festa, 2008
Mesmo após a catástrofe, São Luiz do Paraitinga continua viva na memória de seus moradores, e nas lembranças daquelas que por lá passaram, seja pelo carnaval, pelas marchinhas, pela história. Um marco do patrimônio histórico no Brasil, e um exemplo de reconstrução, que traz em seus casarões a força do renascer.
Finalizamos com a voz de Ditão Virgilio, contador de histórias luizense: “Um a um que ajudou, venha nos dar as mãos. Que muita coisa sobrou. Nossa cultura está viva, essa água não levo.”

Festas populares e turismo
O turismo formou-se em São Luiz do Paratinga de forma não planejada, por volta de 1980, quando a visitação da cidade foi intensificada por viajantes apreciadores da cultura de seus habitantes. Dois fatos marcam a transformação da cidade desde 1980: o resgate do carnaval de rua, em 1981, e o tombamento do Centro histórico pelo CONDEPHAAT (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arqueológico e Turístico do Estado), em 1982 (Castro, 2008).

São Luiz do Paraitinga: Centro Histórico e festas populares
Agentes locais: Habitantes da cidade, turistas, autoridades locais e pesquisadores da região. Destacam-se AMI-SLP (Associação dos Amigos para a Reconstrução e Preservação do Patrimônio Histórico e Cultural de São Luiz do Paraitinga http://www.amisaoluiz.org.br; Instituto Elpídio dos Santos; Instituição Akarui (http://www.akarui.org.br/instituicao

Proteção oficial
IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
Tombado dia 10 de dezembro de 2010. Cerca de 450 imóveis, numa área superior a 6,5 milhões de metros. http://portal.iphan.gov.br/noticias/detalhes/3150. Monumentos e espaços públicos tombados: “Igreja de Nossa Senhora do Rosário, Igreja Matriz de São Luiz de Tolosa, Capela de Nossa Senhora das Mercês, Grupo Escolar, Hospital da Santa Casa de Misericórdia, Casa natal de Oswaldo Cruz, antiga Cadeia e Fórum, e o Mercado Público; as ruas Coronel Manoel Bento, Coronel Domingues de Castro, Dr. Oswaldo Cruz, Monsenhor Ignácio Gióia, do Carvalho; os largos da Igreja de Nossa Senhora das Mercês e da Igreja do Rosário; e a Praça da Matriz. http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/294


CONDEPHAAT – Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo.
“A cidade tem o maior número de casas térreas e sobrados tombados pelo CONDEPHAAT no Estado de São Paulo e recentemente pelo IPHAN. São aproximadamente 450 imóveis declarados de interesse paisagístico. Os exemplares mais significativos são os sobrados que formam o núcleo histórico da praça principal, as igrejas das Mercês (1.814) e Matriz(1.840), Mercado Municipal (1.885), prédios com vergas em estilo mourisco e a casa onde nasceu o cientista Dr. Oswaldo Cruz, construída em 1.835. Na zona rural ainda restam algumas imponentes sedes de fazendas, construídas no chamado “estilo cafeeiro paulista”. São Luiz do Paraitinga é a cidade paulista que melhor conservou o patrimônio arquitetônico, suas tradições, festas populares, enfim toda a cultura do passado.” 

Centro histórico. Número do Processo: 22066/82. Resolução de Tombamento: Resolução 55 de 13/05/1982. Livro do Tombo Histórico: inscrição nº 200, p. 51, 18/08/1982. Publicação do Diário Oficial: http://condephaat.sp.gov.br/benstombados/centro-historico-de-sao-luis-do-paraitinga/

Sobrado na praça Oswaldo Cruz. Número do Processo: 21603/81. Resolução de Tombamento: Resolução 30 de 05/08/1981. Livro do Tombo Histórico: inscrição nº 104, p. 14, 06/05/1975. Publicação do Diário Oficial: http://condephaat.sp.gov.br/benstombados/sobrado-na-praca-oswaldo-cruz/

Capela Nossa Senhora das Mercês. Número do Processo: 21731/81. Resolução de Tombamento: Resolução 37 de 28/09/1981. Livro do Tombo Histórico: inscrição nº 155, p. 28, s.d. Publicação do Diário Oficial: http://condephaat.sp.gov.br/benstombados/capela-nossa-senhora-das-merces/

Fontes 

ALLUCCI, Renata Rendelucci. Renata Rendelucci Allucci. Carnaval de São Luiz do Paraitinga: Conflito entre isolamento e abertura da cidade. PUC, 2015. São Paulo. Dissertacao de Mestrado.

CASTRO, A. M. Caracterização dos impactos provocados pelo turismo na paisagem urbana do centro histórico de São Luiz do Paraitinga-SP, entre 2002 e 2007. 2008. 154 f. Taubaté: UNITAU, 2008.

CONDEPHAAT Área envoltória de São Luiz do Paraitinga - centro - São Luís do Paraitinga-SP número do Processo: 22066/82 resolução de Tombamento: Resolução 55, de 13/05/1982 publicação do Diário Oficial: Poder Executivo, Seção I, 28/05/1982, p. 21 a 24 livro do Tombo Histórico: Nº inscr. 200, p. 51, 18/08/1982

IPHAN Conjunto histórico e paisagístico de São Luiz do Paraitinga - São Luís do Paraitinga/SP número do Processo: 1590-T-10 livro histórico: Nº inscr. 612, vol. 3, f. 051-053, 05/12/2012 livro Arq./Etn./Psq.: Nº inscr. 161, vol. 2, f. 074-075, 05/12/2012; 

SANTOS, Carlos Murilo Prado et al. O reencantamento das cidades: tempo e espaço na memória do patrimônio cultural de São Luiz do Paraitinga/SP. 2006.

SANTOS, João Rafael Coelho Cursino dos. A cultura como protagonista do processo de reconstrução da cidade de São Luiz do Paraitinga/SP. 2015. Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo.

OLIVEIRA, Francisco de. Aproximações ao Enigma: que quer dizer desenvolvimento local? In: SPINK, Peter; BAVA, Sílvio Cáccia. ; PAULICS, Veronika. Novos contornos da gestão local: conceitos em construção. São Paulo: Polis/Programa gestão Pública e Cidadania, pp. 11-31, 2002.

Jornal da Reconstrução, ano 1, número 1, 1ª quinzena de março de 2010.

Saiba mais:

Vídeos:
http://g1.globo.com/sp/vale-do-paraiba-regiao/jornal-vanguarda/videos/v/turistas-passam-o-carnaval-em-sao-luiz-do-paraitinga/5689203/;
https://www.youtube.com/watch?v=YiCXL3qcwtM;
https://videos.band.uol.com.br/15155190/historia-de-sao-luiz-do-paraitinga-e-contada-em-livro.html

Livros: 

VIEIRA, Nana (Org.). O Divino em Festa. 01ed. São Paulo: Terra Virgem, 2008.
“O livro O Divino em Festa - São Luiz do Paraitinga, da fotógrafa Nana Vieira, traz um acervo visual inédito da festa do Divino num dos últimos redutos caipiras do estado de São Paulo, a cidade de São Luiz do Paraitinga. O sentimento dessa festa está traduzido em uma seleção de 90 belas imagens, que retratam cantos, danças, rezas, cores e sensações, em uma linguagem que remete ao próprio colorido e vivacidade da festa. A obra traz uma riqueza cultural e visual para ser compartilhada com todos aqueles que valorizam a beleza de nossa história e a força da nossa identidade. Dois dos mais famosos cidadãos luizenses, Suzana Salles e Aziz Nacib Ab’Saber, enriquecem o livro com textos introdutórios”.

SILVA, D. L.; VIEIRA, M. A. F. A. São Luiz do Paraitinga, sem rabo e sem chifre: a evolução do carnaval das marchinhas na terra de Juca Teles do Sertão das Cotias. São Paulo: Edição do Autor, 2012.
“Situada no Vale do Paraíba paulista, a Estância Turística de São Luiz do Paraitinga é uma cidade que possui um patrimônio arquitetônico colonial, herdado do período cafeeiro naquela região e tombado pelo Condephaat. É rica em tradições culturais, folclóricas, musicais e religiosas que são cultivadas durante o ano todo por seu povo de grande espírito festivo. Esta edição é o resultado de pesquisa espontânea idealizada em 2006, em busca de entendimentos acerca do universo luizense, especialmente quanto à folia carnavalesca ali ressurgida no início da década de 1980. Pequenas histórias contadas por moradores que atuaram na volta do carnaval na cidade tentam explicar a proibição dessa festa no início do século passado. O conteúdo do livro não apresenta uma pesquisa de caráter acadêmico, mas sim um trabalho autoral fundamentado em mais de vinte anos de convivência e observação, tanto do cotidiano como das atividades festivas realizadas na cidade”. 

Veja também neste site

Festa de São Sebastião
Festa de São Benedito
Folia do Divino Espírito Santo


Edição
Antonio Arantes, editor


Pesquisa e texto 

Carla Eduarda Franco de Lima (RA: 168569)
Curso de Ciências Econômicas, IE - Unicamp

Pedro Moisés Andrade dos Santos (RA: 223446)
Curso de Graduação em Ciências Sociais, IFCH – Unicamp


Revisão

Revisão Maíra Baccarelli (RA:149309)
Curso de Graduação em Letras, IEL – Unicamp
Seção: Glossário

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Samba do Rio de Janeiro

Descrição
O Samba do Rio de Janeiro, mais popularmente conhecido como samba carioca, o samba do morro ou o samba urbano, tão adorado símbolo nacional, teve como marco local a Pedra do Sal, no morro da Conceição, no início do século XX. Foi alvo de discriminação e perseguição nas primeiras décadas de seu surgimento e se apresenta, desde sua origem, como um elemento de expressão da identidade cultural da população negra (Centro Cultural Cartola, et al, 2007). Inscritas no Livro de Registro de Formas de Expressão, em 2007, a proposta de registro das Matrizes do Samba do Rio de Janeiro como Patrimônio Cultural Brasileiro foi idealizada pela sambista Leci Brandão e desenvolvida pelo Centro Cultural Cartola, com apoio da Associação das Escolas de Samba da Cidade do Rio de Janeiro (AESCRJ), do Museu da Imagem e do Som (MIS), do Instituto do Carnaval da Universidade Estácio de Sá e da Liga Independente das Escolas de Samba do Rio.
Sediada inicialmente nas casas coletivas alugadas por africanos e baianos nas zonas portuárias no bairro da Saúde, na ladeira da Pedra do Sal, a população negra após a abolição desenvolve neste espaço uma forte cultura, chamada também de diáspora baiana – um contingente de negros da Bahia em busca de maiores oportunidades na capital. Surge na mesma região, por volta de 1886, a casa de candomblé, fundada por Bamboxê, que, ao regressar à Bahia, a entrega para João Abalá “de Omulu” seguir a tradição. Foi nesse terreiro que a baiana Tia Ciata (foto ao lado - Jornal do Brasil), uma das mais influentes participantes da formação do samba, se tornaria Mãe Pequena (Iyá Kekerê).
Na primeira década do século XX, o prefeito Pereira Passos decide remover da cidade, de forma desumana, tudo o que na época representava o “atraso e a pobreza”. Logo essa população marginalizada se estabelece em uma região chamada “Cidade Nova” e, na casa da Tia Ciata, na Praça Onze – chamada de capital da Pequena África –, forma-se um polo expressivo de resistência cultural que no decorrer do tempo, por sua popularidade, vai atraindo a atenção da sociedade. Compositores como Pixinguinha, Hilário Jovino Ferreira, Donga, Sinhô, João da Baiana frequentavam sua casa agitando festas e saraus. Ali se desenvolveram as principais matrizes do samba carioca, representadas na pesquisa Dossiê Matrizes do Samba do Rio de Janeiro pelo Samba-enredo, Samba de Terreiro e Partido Alto. (Centro Cultural Cartola, e tal, 2007)
Na descrição do Dossiê, afirma-se que a palavra samba possui diversas referencias de origem e significado. O legado de danças em roda caracterizadas pela umbigada é de origem banto, como boa parte da cultura brasileira. A palavra, em alguns dicionários e textos – por exemplo, O cortiço, de Aluízio de Azevedo –, remetia sempre a uma “espécie de dança popular”. Ademais, na língua tchokwe, de Angola, a palavra pode ser usada na acepção de brincar ou divertir e, em quimbundo, como agradar ou encantar.
Em meados de 1880, tia Bebiana – baiana, filha-de-santo de João Abalá – faz sua festa da lapinha no Largo de São Domingos, tornando-se lugar de desfiles pastoris e de ranchos carnavalescos onde Hilário Jovino Ferreira, pernambucano criado em Salvador no meio Nagô, um dos frequentadores da casa de Tia Ciata, em 1893, traz consigo o enredo, o porta-bandeira e o mestre-sala e

“funda o Rei de Ouros com um chá dançante em sua casa, o licencia na polícia, e, numa decisão que muda a história musical da cidade, decide realizar seu desfile no carnaval, em vez de sair no dia de Reis, como faziam os outros ranchos, em busca de maior liberdade de movimento e expressão.”(Centro Cultural Cartola, 2007:17)
A palavra “escola” refletia as responsabilidades dessas primeiras comunidades de samba. Como atividade de grande relevância para a transmissão de conhecimentos, era ali que muitos garotos se desenvolviam, em conjunto com um senso de coletividade, culturalmente: “Eu não tenho a escola só como entretenimento. Tenho a escola como uma cultura, como um estudo.” (Djalma Sabiá) (Ibidem, p. 115). Portanto, os compositores identificavam no samba um ato pedagógico, uma filosofia da prática do cotidiano. O próprio Ismael Silva afirmava serem os mestres do samba professores de “aulas teóricas e práticas”. (ibidem, p.19). Nos primeiros desfiles, os favelados formavam as principais escolas em Mangueira (Estação primeira), Salgueiro (Azul e Branco e Depois Eu Digo), Borel (Unidos da Tijuca), Matriz (Aventureiros da Matriz), Serrinha (Prazer da Serrinha), São Carlos (Para o Ano Sai Melhor), Tuiuti (Mocidade Louca de São Cristóvão) e também Portela (chamada de Vai como Pode) do grande compositor Oswaldo Cruz.
O primeiro samba a ser gravado e fazer sucesso é Pelo telefone, em 1917, com uma mescla de Lundu, Maxixe e samba, criado no rancho Rosa Branca na casa da Tia Ciata e registrado por Donga e o jornalista Mauro de Almeida. Apesar de ser registrado por apenas duas pessoas, alguns dos sambas daquela época eram compostos coletivamente, de forma que se discutiu sobre a composição de Pelo telefone. Existe uma polêmica sobre essa canção, onde Tia Ciata, João da Mata e Germano reclamam sua autoria numa nota do Jornal do Brasil no mesmo ano. (GOMES, 2010)
Para sequência a esse breve resumo histórico, destacaremos três tipos de samba, pela constatação de que, apesar da variabilidade de estilos de se fazer o samba, estes se tornaram mais distantes dos meios de circulação de massa e do mercado global de música. Além disso, eles representam relações de sociabilidade e musicalidade desenvolvidas em contextos específicos e que se tornaram menos expressivas na prática atual.
O Partido Alto resulta de práticas coreográficas e musicais do Rio de Janeiro no início do século XX. Suas principais características são, basicamente, uma estrutura de duas partes. A primeira, o refrão, cantado coletivamente e que sempre se repete; a segunda, representando sua maior característica, são seus versos improvisados: respeitando a melodia e o ritmo, se efetua uma competição repleta de piadas, provocações e muita criatividade. Com o mercado fonográfico, as gravações da segunda parte tornaram-se mais rígidas, retirando o ambiente de criação compartilhada e improvisada. Em relação à estética, seus instrumentos prevalecentes são:
“percussão (pandeiro, surdo, tamborim, cuíca, repique, reco-reco, ganzá, etc.) e cordas dedilhadas (cavaquinho, banjo, violão de 6 e de 7 cordas), aos quais pode ser acrescida uma infinidade de instrumentos solistas ou acompanhadores (metais, madeiras, teclados, cordas, foles)” (Centro Cultural Cartola, 2007, p.24)
O Samba de Terreiro, distintamente, é definido principalmente pelo contexto onde se apresenta e não apenas por características musicais e poéticas. É uma prática sociomusical que exprime ideias e histórias do lado de dentro da vida comunitária dos sambistas de determinada escola, sendo apresentado nos terreiros. Às vezes, pode assemelhar-se ao Partido Alto, que apresenta uma performance, citada acima, de refrão e improviso. Um exemplo deste gênero é o samba Serra dos meus sonhos dourados, de Carlinhos Bem-te-vi (1940). Pode também se aproximar do Samba-enredo, quando utiliza o canto coletivo em todos os versos. Neste caso, a temática preferida é a exaltação da identidade coletiva, as glórias e feitos da comunidade, seus símbolos e personagens, como na criação de Cartola intitulada Velho Estácio.
Para o terceiro estilo, o Samba-enredo, com mais elementos que os anteriores, precisamos particularizar – em conjunto com apenas alguns exemplos musicais – os sambas cantados nos primeiros desfiles carnavalescos. Nos anos 30, na maioria dos casos, este samba ainda era muito similar ao samba de terreiro, não tinha relação com o enredo e ainda continha um versador solista, que improvisava na segunda parte da música. Um exemplo é o que ocorre em Chega de demanda, de Cartola, do carnaval de 1929, antes mesmo da criação da Mangueira (CABRAL, 1996); e nos sambas cantados a partir de 1940, influenciados pelos regulamentos elaborados depois do desfile de 1934, o enredo na letra do samba passa ser quesito de julgamento na competição. Logo depois, devido a um processo paulatino, em 1946 os versos improvisados são proibidos do desfile – como exemplo, apesar de ser de 1936: Não quero mais amar ninguém, de Cartola e Carlos Cachaça. No ponto de vista da estrutura musical, os 16 compassos repetidos com canto coletivo e 16 sem repetir com o solista (molde “clássico” herdado dos bambas do Estácio de Sá) utilizados nos primeiros desfiles carnavalescos, foram se alterando para algo mais coletivo:
“A parte do solista diminui, tornando-se o samba do desfile cada vez mais coletivo, na mesma medida em que todo o desfile se torna um empreendimento coletivo, ajustado e cronometrado em detalhes cada vez mais mínimos (a descrição de Maria Laura Viveiros de Castro em Carnaval carioca, dos bastidores ao desfile é eloquente)”. (Centro Cultural Cartola, 2007, p. 38)
Através de todos esses processos citados, entre as décadas de 30 e 50, o Samba-enredo – com suas baterias de escola de samba e a intenção de narrar o enredo – passa a ser caracterizado por sua função e importância na competição nos desfiles das escolas de samba. Em um momento mais recente, a partir da década de 1970, ocorre uma intensa transformação no contexto do desfile carnavalesco carioca. Esses elementos serão mais bem explicados no verbete Samba-enredo, pela extensão e complexidade do assunto carecer de um espaço maior para sua descrição.
Vilma (Porta bandeira) e Benício (Mestre-sala) em desfile da Portela / Foto: Reprodução - Jornal do Brasil
Proteção
A importância de se preservar as matrizes do samba do rio de janeiro se apresentou devido às mudanças estruturais dessas práticas, inevitáveis em razão da sua multiplicidade e complexidade, constantemente mediadas pela indústria cultural e pelo turismo. Sendo assim, sua importância como elemento da identidade da vida das pessoas – não só de uma localidade, mas do país –, levou a sambista Leci Brandão, associada ao Centro Cultural Cartola, a idealizar e promover formas de proteger as práticas “raízes” do samba e, consequentemente, a propor o registro como patrimônio cultural brasileiro.
O mercado fonográfico, a indústria do espetáculo e a dificuldade de transmissão da memória e essência da Velha Guarda para as recentes produções do gênero, extirparam os tão valorizados fundamentos dessas três matrizes do samba. Além disso, a riqueza poética, melódica e rítmica, inexorável às expressões culturais em geral, integralizando os aspectos religiosos afro-brasileiros, festas em terreiros, culinária (feijoadas), rodas de samba e a prática de um “um bonito modo de viver” – como diria o mestre Nelson Sargento –, refletem uma parte indispensável da história do Rio de Janeiro e do Brasil. Nessa acepção, sambistas “da antiga”, fonte de recordações valiosíssimas, reconhecem o enfraquecimento dessas matrizes e declaram a necessidade de valorização. Muitos deles nunca gravaram, apesar da notoriedade pessoal na comunidade e do saber tradicional das matrizes enfraquecidas.
Meus avós do interior tocavam lundu e jongo, minha tia mostrava as músicas e danças, em Paraíba do Sul. O que eu tenho são coisas deles. Está em minha mente. (Wilson Moreira) (...) Eu era vizinho da casa do Paulo da Portela. Então, eu cheguei menino ainda.... Eu já gostava de fazer meus sambinhas... Já veio no sangue... Aí eu ia lá no ensaio da Portela e ficava vendo, de longe assim, porque eu tinha medo de entrar naquela turma ainda. E aí, com o tempo, eu fui ensaiando, fui aprendendo, fazendo samba direito, até fazer um samba para ela. E fui feliz de o meu samba ser cantado pelas pastoras da Portela. (Monarco) (Centro Cultural Cartola, p.115, 2007)
Os planos de salvaguarda elaborados pelo Centro Cultural Cartola, resumidamente, são: ações que fomentem a pesquisa e documentação (formações de pesquisadores da comunidade; pesquisa de campo e histórica, etc); a transmissão do saber (valorização de espaços do samba); e a produção, registro e apoio às organizações, principalmente ligado a essas matrizes, que muitas vezes não são de carácter comercial. Após o registro, essas ações começaram a se efetivar realmente em 2010. Foi implantado, em parceria com o Centro Cultural Cartola, o Pontão de Cultura Memória do Samba Carioca, com o intuito de constituir um acervo de pesquisa através de obras fonográficas, dar cursos de capacitação para gestores, promover um encontro das Velhas Guardas das Escolas e executar a gravação de depoimentos das principais personalidades do samba do Rio de Janeiro – com produção de um DVD. Apesar das ações estarem ainda em andamento, foi possível perceber o “samba de raiz” sendo reapropriado pelas rádios comerciais, “algumas contando com programas inteiramente dedicados ao tema, como o Samba Social Clube, da carioca MPB FM 90.3 MHZ” (MEIRELLES, p.123, 2013). 
Portanto, ao decorrer da história, vimos uma parte da nossa cultura sendo negligenciada pelo preconceito racial e, quando legitimada, sendo influenciada pelo mercado fonográfico. Entretanto, ela acabou se tornando um elemento essencial para o entendimento da identidade brasileira. Como foi discorrido no texto, processos como a turistificação do carnaval, influenciando o samba-enredo, a indústria cultural intervindo nos padrões do samba e a memória dos mais velhos sendo preservada de forma precária, enfraqueceram a tradição do samba. Além destes fatos, o registro do Samba de Roda do Recôncavo Baiano em 2005 como Patrimônio Imaterial da Humanidade chamaram a atenção das comunidades do samba e estas se viram motivadas a utilizar as políticas públicas do patrimônio, como forma de fortalecer outra vez as principais linhas do Samba do Rio de Janeiro: o Samba de Terreiro, o Samba-enredo e o Partido-alto. Em 2007, através de uma união de agentes e da comunidade carioca que representavam a história do samba para a elaboração do Dossiê Matrizes do Samba do Rio de Janeiro, conseguiram inscrever o samba carioca no Livro de Registro de Formas de Expressão como Patrimônio Cultural Brasileiro.

Detentores
Centro Cultural Cartola.
Associação das Escolas de Samba da Cidade do Rio de Janeiro (AESCRJ).
Museu da Imagem e do Som (MIS).
Instituto do Carnaval da Universidade Estácio de Sá.
Liga Independente das Escolas de Samba do Rio.

Glossário
Banto: A tradição dos povos banto deu, no Brasil, origem a toda uma família de danças aparentadas, que vai do carimbó paraense e do tambor-de-crioula do Maranhão ‘passando pelo coco do litoral nordestino e pelos sambas do Recôncavo e do médio São Francisco, na Bahia’ até o jongo ou caxambu no Sudeste brasileiro, notadamente no Vale do Paraíba. Onde houve negro banto, lá estão as danças de roda, com ou sem umbigada.” (Pereira, 2007, p. 14)
Diáspora: o termo pode ser entendido como “a dispersão mundial dos povos africanos e de seus descendentes como consequência da escravidão e outros processos de imigração” (SINGLETON & SOUZA, 2009: 449). Devido ao sentimento de não-pertencimento, manifestações do candomblé em terreiros e as fortes expressões afro-brasileiras (música, dança, culinária etc.) em uma determinada localidade pode representar a “reconstrução temporal de um microcosmos africano” para tornar presente o passado. (PEREIRA, 2015)
Enredo: é a característica principal no samba-enredo. Ele articula um determinado tema à produção da coreografia, à confecção de fantasias e a letra da música. Pela tamanha variabilidade de técnicas e códigos de comportamentos para cada função nos enredos dos ranchos carnavalescos, constituíram-se as famosas “escolas” para integralizar o processo de aprendizagem coletiva e organizar as apresentações dos cortejos no carnaval (GONÇALVES, 2003).
Lundu: é considerado o primeiro ritmo musical afro-brasileiro. José Ramos Tinhorão, pesquisador e crítico musical, afirma que o Lundu tem sua origem na palavra calundu, no qual se constitui um culto africano praticado no Brasil. De acordo com Tinhorão, o Lundu apresenta elementos da umbigada africana e do fandango europeu. http://www.afreaka.com.br/notas/sensualidade-e-graca-lundu/
Maxixe: ritmo que surgiu em meados do século XIX na sociedade carioca através de bailes populares e seus elementos derivam de danças europeias como a polca e a habanera e ritmos afro-brasileiros, tais como o lundu e o batuque. (PEREIRA, 2007)
Pastoril: representa as festas natalinas do nordeste, especialmente em Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Alagoas. Teve grande influência nos ranchos carnavalescos do Rio de Janeiro. (VALENTE, 2009)
Ranchos: Referente ao texto, os elementos fundamentais do rancho carioca derivam dos ranchos que saiam no Dia de Reis, que “Mário de Andrade, em sua definição dos ranchos de Reis, os descrevia como estruturalmente idênticos ao reisado, como ‘qualquer agrupamento de cantores em cortejo, nas festas tradicionais’” (GONÇALVES, 2003) – com alegorias, roupagens extravagantes, luzes e a musicalidade . Já os ranchos cariocas, tiveram como “inventor” o Hilário Jovino, que transferiu o cortejo do rancho do Dia de Reis para o Carnaval e propondo também o mestre-sala e a porta bandeira.
Versador solista: o versador solista era o responsável pela performance de cantar em improviso nas rodas de samba. Apesar de existir nos primeiros desfiles de samba-enredo, o improvisador sempre foi característico do Partido-alto e improvisava em disputa com outros versadores, criando soluções poéticas convincentes respeitando o ritmo, a melodia e o tema da musica a ser tocada. Ex: Parte do Documentário Matrizes do Samba do Rio de Janeiro do Iphan https://www.youtube.com/watch?v=0S9xgFa2I6Q

Proteção oficial
IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
Em 20 de novembro de 2007, As Matrizes do Samba no Rio de Janeiro: Partido Alto, Samba de Terreiro e Samba-Enredo foram registradas como bem cultural de natureza imaterial, na categoria Formas de Expressão pelo processo nº 01450.011404/2004- 25.

Bibliografia
Cabral, S. (1996). As escolas de samba do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Lumiar.

Cavalcanti, M. L. (2006). Carnaval carioca: dos bastidores ao desfile (3 ed.). Rio de Janeiro: UFRJ.

Centro Cultural Cartola, et al. (orgs.). (2007). Dossiê das matrizes do samba do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Ministério da Cultura; Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.

Cunha, F. L. (2009). As matrizes do samba carioca e carnaval: algumas reflexões sobre patrimônio. Patrimônio e Memória, 5(2), 34-57.

Gomes, R. C. (2010). Tias baianas que lavam, cozinham, dançam, cantam, tocam e compõem: um exame das relações de gênero no samba da pequena África do rio de janeiro na primeira metade do século XX. I Simpósio Brasileiro de Pós-Graduandos em Música, XV Colóquio do Programa de Pós-Graduação em Música. UNIRIO.

Gonçalves, R. d. (2003). Cronistas, folcloristas e os ranchos carnavalescos: perspectivas sobre a cultura popular. Revista Estudos Históricos, 2(32), 89-105. doi:ISSN 2178-1494

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Souza, M. A., & Singleton, T. (2009). Archaelogias of African Diaspora: Brazil, Cuba and United States. Em T. Majewski, & D. Gaimster, International Handbook of Historical Archaelogy (pp. 449-469). New York: Springer.

Tinhorão, J. R. (1972). Música popular de índios, negros e mestiços. Petrópolis: Vozes.

Valente, V. (2009). Fundação Joaquim Nabuco. Pastoril. Recife. Fonte: Fundação Joaquim Nabuco: http://basilio.fundaj.gov.br/undefined/pesquisaescolar

Vianna, H. (1995). O mistério do samba. Rio de Janeiro: Ed da UFRJ: Jorge Zahar.


Saiba mais
Há uma infinidade de produção audiovisual sobre o tema. Para maior uma compreensão da história do samba, sugerimos alguns filmes e documentários. 
As matrizes do Samba do Rio de Janeiro (2007) – Documentário produzido pelo Iphan para o registro do samba no rio de janeiro: Partido Alto, Samba de Terreiro e Samba-enredo. O registro deste bem cultural ocorreu em 20/11/2007. 
Breve História do Samba – Documentário realizado no curso de Comunicação Social: Radialismo da UNESP de Bauru-SP por Andrey Sanches e Thais Oliveira. Com depoimentos de Lecy Brandão, Paulinho da Viola, Monarco, Donga, Sérgio Cabral, Elton Medeiros, entre outros bambas.
Eu sou o povo! (2007) – de Luiz Antonio Pilar. Documentário que pôs em foco a vida e obra de Candeia, e a criação do Grêmio Recreativo Arte Negra e Escola de Samba Quilombo.
Cartola – Música para os olhos (2006) – de Lírio Ferreira e Hilton Lacerda. Conta a história de um dos maiores expoentes do samba carioca.

Pesquisa e texto 
Pedro Moisés Andrade dos Santos (RA: 223446) Curso de Graduação em Ciências Sociais, IFCH – Unicamp
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Samba de Roda do Recôncavo Baiano

    Foto de Luis Santos/Acervo Iphan
Descrição
O Samba de Roda ocorria principalmente em 33 municípios na região do Recôncavo Baiano quando o Iphan convidou o etnomusicólogo Carlos Sandroni a realizar o seu inventário para fins de Registro (SANDRONI, 2007: 29). A referência mais antiga conhecida (BUDASZ, 2001: 51) são versos de Gregório de Matos (1636-1696) que se refere à umbigada, nas danças do banquete na festa de Nossa Senhora de Guadalupe:
“Porém por se desquitar
foi-se bailar o cãozinho,
e como sobre o moinho
levou tantas umbigadas,
deu em sair às tornadas
a puro vômito o vinho.”

O pesquisador sintetiza que esta forma de expressão articula música e dança da tradição de africanos escravizados, com poesia e instrumentos musicais portugueses (idem, p.29). Como se sabe, a cultura afrodescendente é marcada historicamente pela violenta exploração de africanos nos engenhos de cana, no contexto da ordem social escravocrata, sustentada no aprisionamento de indígenas e tráfico negreiro, para o trabalho no solo de massapê da região nordeste. Durante muito tempo, o termo batuque abrangia todos os ritmos da música negra. No fim do século XIX, conforme essas expressões culturais foram se difundindo, a palavra samba – cuja origem ainda se discute – começou a ser empregada de forma mais específica.

“Entre esta data [1838] e meados dos anos 1920, há registros de atividades musicais e coreográficas chamadas de samba em vários pontos do Brasil: Bahia, Ceará, Pernambuco, São Paulo, Rio de Janeiro. (...) tradição que vem passando de geração pra geração. Foi meu bisavô quem trouxe para aqui para o Brasil, porque ele foi um dos escravos que, quando o povo veio da África, ele veio como sambador, e aqui passou pro meu avô e passou pro meu pai e passou pra mim, e por isso a gente não quer deixar acabar porque já tá na terceira ou quarta geração” (Sambador Zeca Afonso, em São Francisco do Conde). (SANDRONI, 2007: 69 - 72)

Além de ser executado coletivamente de forma mais descompromissada, com a finalidade de divertir, o Samba de Roda é associado aos ritos de candomblé. Por exemplo, em agosto, ele está presente na Festa de Nossa Senhora da Boa Morte, na cidade de Cachoeira (MARQUES, 2003); em setembro, na Festa de São Cosme e São Damião, no Recôncavo em geral. A música instrumental e a dança são executadas predominantemente, mas nem sempre, por homens e mulheres, respectivamente. É recorrente o uso de instrumentos
de percussão, como o pandeiro e o prato-e-faca. A viola machete é um dos instrumentos mais característicos do samba de roda, assim como palmas e canto coletivo, com característica repetitiva e responsorial. Os passos de dança são vários; contudo, o miudinho - um sutil sapatear para frente e para trás em sincronia com o requebrado dos quadris - é o mais típico. Outro movimento muito presente é a umbigada. As coreografias são variadas. Por exemplo, no grupo Samba da Capela, da cidade de Conceição do Almeida, formam-se filas de casais para dançarem um na frente do outro. Entretanto, a sequência mais característica é executada circularmente (em roda) predominantemente entre mulheres, mas também com a participação de homens; ligada à alternância de escolha, dança-se um de cada vez dentro da roda: a umbigada, que varia de acordo com o grupo sambador, é um convite para outra pessoa dançar. (SANDRONI, 2007: 23). O samba de roda se diferencia de outros gêneros próximos, como o samba de chula, samba rural.
Tem sido, como os demais, pouco estudado pelos pesquisadores brasileiros e sua continuidade como a desses gêneros mais próximos vem sendo fortemente abalada pelas condições de vida precárias de seus praticantes, pelo baixo prestígio atribuído pelas elites das localidades onde é praticado e pela ausência de políticas de salvaguarda. Os principais acervos de gravações encontram-se na Alemanha e nos
Estados Unidos (SANDRONI, 2007). Uma das principais condições para sua continuidade é o saber-tocar e saber-fazer a viola machete. Por isso, algumas medidas foram tomadas por agência de proteção ao patrimônio cultural com o objetivo de revitalizar esses saberes. Entre elas, o IPHAN patrocinou em 2005 uma oficina de transmissão e documentação do saber-tocar a viola machete, organizada pela Casa de Cultura de São Francisco do Conde e ministrada pelo Mestre Zé de Lelinha.
Descrição: Descrição: https://lh5.googleusercontent.com/v43ctxL4MbU0tgXeh2IRfMzFd0SfPsARtNHN23l3WBbzKCGCLKe6MSzOQXKj-oNliFiu3k0gaUmBIEqR36iqKjjZQ_UA3Csx75L4_Qm0YkpzH2MJ3rKSXOv6uObSdzQy6JydqF8gUSy4YtJM
Foto de Luis Santos/Acervo Iphan

Continuidade

No dossiê para Registro do Samba de Roda do Recôncavo Baiano como Patrimônio Cultural Brasileiro (IPHAN) organizado por Carlos Sandroni, encontram-se depoimentos sobre contradições encontradas no berço do samba brasileiro:

“As pessoas quando vêm pra ouvir o samba de roda, não ouvem um samba de roda totalmente original, por falta de apoio, porque nós não temos o apoio mesmo pra o machete. Esse machete é difícil de ser encontrado e até hoje nós não conseguimos formalizar o samba ideal, o instrumento ideal” (Carlos M. Santana, dito Babau, São Braz). (SANDRONI, p. 77)

Devido à migração de baianos para o Rio de Janeiro e outras regiões do país no final do século XIX, o Samba de Roda sofreu modificações em sua estrutura rítmica, melódica e harmônica. Logo no início do século XX, deu origem a uma derivação bastante conhecida. Tia Ciata, mãe-de-santo, que saiu da Bahia para viver no Rio de Janeiro no início do século XX reunia os migrantes para as rodas de samba e o candomblé em sua casa na Rua da Alfândega, na Cidade Nova. Figuras como João da Baiana e Pixinguinha frequentaram sua casa. Nesse novo contexto, flauta, violão e cavaquinho foram incorporados às manifestações musicais que ela trazia, dando origem ao que se tornaria tão importante para a cultura carioca, e fonte de renda para o rádio, indústria fonográfica e alguns intérpretes do início daquele século: o samba carioca.
Com a indústria cultural influenciando as novas gerações, hoje em dia, quando um jovem gosta de samba, ele já não escuta ou participa do Samba de Roda, mas passa as ramificações do samba carioca (partido alto, por exemplo) ou até o pagode (a partir da década de 80), que é sua variação mais recente. Tornou-se recorrente o esquecimento e o não-reconhecimento da importância da raiz do samba em geral. Os próprios instrumentistas, por exemplo, que tocam viola machete são raros. Augusto Lopez, de São Braz, relata no Dossiê:

“Hoje em dia nós não temos a viola principal como era antigamente: era o machete, era a viola pequenininha de pau. Ela era necessária pra esse samba da gente. Hoje em dia tem aquela viola [paulista] que não vai dar a mesma tonalidade que vai dar aquela viola antiga. E se quiser uma daquela tem que encomendar no Maranhão ou em outro lugar. É como o pandeiro de tarraxa: nós toca, mas era [de] couro de cobra, prego, como João ainda tem, Babau tem. O samba nativo é esse, e a viola natural não é essa que nós toca não, é o machete. E essa nós temos que desencavar de onde tiver, pra botar o samba nativo mesmo como era.” (SANDRONI, op. cit. p.77)

Proteção

O Registro do samba de roda como patrimônio cultural brasileiro (IPHAN, 2004), sua proclamação como Obra Prima do Patrimônio Oral e Imaterial da Humanidade (UNESCO, 2005) e inclusão na Lista Representativa do Patrimônio Cultural Intangível (UNESCO, 2005 e 2007 respectivamente) contribuíram decisivamente para sensibilizar os jovens das regiões onde ele é tocado, assim como o público do Brasil inteiro e de outros países para a beleza dessa forma de expressão. Essas medidas também atraíram pesquisadores e a mídia, difundindo seu interesse entre os que se identificam e buscam o conhecimento das raízes culturais brasileiras.

Esse gênero musical era desvalorizado pelas políticas culturais do Estado. Quando Carlos Sandroni, professor do Núcleo de Etnomusicologia da Universidade Federal de Pernambuco, começou com sua equipe a pesquisa para identificação do samba, verificou que ele ocorria em praticamente todo Recôncavo Baiano. Isso se explica, mais uma vez, pela história local.

“O registro de um patrimônio imaterial como o samba-de-roda exige o mapeamento de um percurso que se inicia com os africanos que foram escravizados e trazidos para trabalhar nos engenhos e lavouras de cana- de-açúcar do Recôncavo (...)” (CANTARINO: Revista Eletrônica do Iphan).

Descrição: Descrição: https://lh4.googleusercontent.com/7R1Ga9SJNS-J-aRBmETK8m-ul8PnKwcbk_EPS-El8D4kuEKfS348QkfSYcSx9uCgtAf6dpxLxHV-6Z-rV01rYMtrNlwsEgTQ5xiXi0BTi2z2am2_g-M7g5wjGFQ5YjVhRvgTrB9V6gnQOEm4
Foto de Luis Santos/Acervo Iphan

Durante as reuniões de agentes do IPHAN com a comunidade, as pessoas se inteiravam da importância do registro, tomando consciência de algo que já reunia as principais demandas locais. Sandroni conclui a primeira etapa do trabalho de campo (20 de julho e 12 de agosto de 2004) necessário para que o samba de roda fosse registrado como Patrimônio Cultural do Brasil. A solicitação foi endossada pela Associação Cultural do Samba de Roda Dalva Damiana de Freitas, pelo Grupo Cultural dos Filhos Nagô e pela Associação de Pesquisa de Cultura Popular e Música Tradicional do Recôncavo, e aprovada pelo IPHAN em 13 de agosto de 2004. No mesmo ano, se inicia a formação da Associação dos Sambadores do Recôncavo, congregando os grupos comprometidos com o Registro. Essa associação se tornou essencial para o processo de salvaguarda do samba-de-roda. Reconhecendo a importância da participação de mulheres nesta forma de expressão, a entidade se redefiniria, em 2005, como Associação dos Sambadores e Sambadeiras do Estado da Bahia-ASSEBA (Catálogo dos Sambadores e Sambadeiras do Samba de Roda, em http://www.asseba.com.br). O processo de salvaguarda desencadeado pelo IPHAN no Recôncavo vem ganhando autonomia frente aos projetos governamentais. Esse fortalecimento é importante porque um sério desafio a ser enfrentado pelos praticantes e detentores do samba de roda é a manutenção da continuidade desse modo de expressão sem dependência da tutela governamental.

Uma das principais ações de salvaguarda tem sido a manutenção dos conhecimentos relativos à construção e conservação da viola machete. A necessidade de conservar os conhecimentos relativos à produção de objetos necessários à continuidade do patrimônio imaterial é muitas vezes desconsiderada pelas agências públicas. Nesse sentido, deve-se enaltecer o exemplo dado pela Associação Japonesa para a Conservação de Monumentos Arquitetônicos (http://www.bunkenkyo.or.jp/en/traditional.html) que tem investido na continuidade dos conhecimentos relativos a técnicas construtivas tradicionais, para a necessária conservação de edificações antigas naquele país.

Por representar o sumo da identidade brasileira, sua afro-descendência, a proteção do samba de roda foi medida acertada. Esse modo de expressão é a raiz que deu origem, musicalmente, a um dos ritmos brasileiros mais reconhecido no mundo. Não fossem as ações de salvaguarda realizadas pelas agências de patrimônio, com grande participação e empenho dos detentores e praticantes e forte repercussão em diversos setores da sociedade brasileira, o Samba de Roda poderia ter sido mais um dos elementos culturais – tão essenciais para a expressão e entendimento da identidade brasileira – extintos em pouco tempo.

Proteção oficial

- O Samba de Roda do Recôncavo Baiano foi inscrito no Livro de Registro das Formas de Expressão pela Presidenta do Conselho do Patrimônio Cultural Jurema Machado, do IPHAN, como Patrimônio Cultural Brasileiro em 5 de outubro de 2004. Inscr. nº 3, de 10/05/2004
Link: http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Samba_roda_reconcavo_titulacao.
pdf

- Pela importância da expressão na história brasileira, em especial no desenvolvimento da música popular, e seu alarmante perigo de se perder por falta de estímulo para a prática, foi incluído na III Proclamação das Obras Primas do Patrimônio Oral e Imaterial da Humanidade (2005) (SANDRONI, Carlos. Samba de roda, patrimônio imaterial da humanidade. Estud. av.[online]. 2010, vol.24, n.69 [cited  2019-08-15], pp.373-388. Available from:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010340142010000200023&lng=en&nrm=iso>.
ISSN 0103-4014. http://dx.doi.org/10.1590/S0103-40142010000200023.)

- Após esse processo complexo de candidatura, no qual o Plano de Ação foi fomentado por diversas estratégias (tais quais incluíam a organização civil dos sambadores, produção do dossiê, transmissão, projetos musicais, documentações, etc), o Samba de Roda do Recôncavo Baiano foi incluído na Lista Representativa do Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade.
Link: http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/culture/world-heritage/intangible-cultural-
heritage-list-brazil/samba-de-roda-do-reconcavo-baiano/

Detentores
ASSEBA - Associação dos Sambadores e Sambadeiras do Estado da Bahia Solar Subaé - Casa do Samba - Centro de Referência do Samba de Roda. Rua do Imperador, Nº 1; CEP: 44200-000 - Santo Amaro, Bahia. Contato: +55 (75) 9134.9127 e 9147.8507. asseba@gmail.com. Informações sobre cerca de 30 grupos podem ser encontradas em http://www.asseba.com.br

Bibliografia
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VER GLOSSÁRIO para as seguintes definições:

- Batuque; Chorinho; Choro; Detentor; Lista Representativa do Patrimônio Cultural Intangível da Humanidade; Miudinho; Pagode; Samba; Samba carioca; Samba de chula; Umbigada; Viola machete; Patrimônio Cultural Brasileiro; Patrimônio cultural imaterial; Patrimônio cultural intangível; Proclamação das Obras Primas do Patrimônio Oral e Imaterial da Humanidade; Registro; Salvaguarda.

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