Descrição
O Porto do Capim está localizado no Centro Histórico da Cidade de João Pessoa. Em nível estadual, o perímetro de proteção foi estabelecido por meio do Decreto n. 9884/82. O tombamento federal, instruído pelo do Processo de Tombamento N⁰ 1.501-T-02, ocorreu em 2002, a formalização ocorreu em 2007 quando o centro histórico de João Pessoa foi inscrito no Livro do Tombo Histórico e no Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico.
Imagem 1: Perímetro de tombamento federal do centro histórico de João Pessoa
Fonte: Gonçalves, 2014.
Segundo legislação federal, a área de proteção delimitada pelo tombamento divide-se em poligonal de tombamento e poligonal de entorno, ou seja, uma área de proteção rigorosa, cujo o objetivo é proteção e conservação da coisa tombada e uma zona de amortecimento e transição, que visa diminuir os impactos do crescimento da cidade sobre a poligonal de tombamento. “A definição do entorno requer compreender a história, a evolução e o caráter dos arredores do bem cultural. Trata-se de um processo que deve considerar múltiplos fatores, inclusive a experiência de aproximação ao sítio e ao próprio bem cultural. ” (Declaração de Xi’an, 2006, p.02).
Existe na área de entorno do centro histórico de João Pessoa um núcleo de habitações onde residem por volta de 450 famílias, essa região é conhecida como Porto do Capim, em destaque na imagem 1.
Os moradores do Porto do Capim iniciaram o processo de ocupação do território na década de 1940, após a desativação do Porto Internacional do Varadouro. Com a desativação da função portuária, as famílias dos trabalhadores do antigo porto e famílias que viviam nas ilhas do estuário do Rio Paraíba foram pouco a pouco construindo suas casas nessa região que é conhecida como “o berço da cidade”.
Hoje o Porto do Capim é um bairro com ruas asfaltadas, as casas possuem agua encanada e luz as quais são fornecidas pelas empresas responsáveis pela prestação dos serviços, coleta de lixo (ainda que precária), intenso comercio de grandes empresas madeireiras, pequeno comercio local (principalmente bares, lanchonetes e mercadinho), dos quais muitas famílias tiram seu sustendo. Além disso, o Porto do Capim está próximo do terminal de integração de ônibus municipal, rodoviária e estação da CBTU, estruturas fundamentais que permite o deslocamento dos moradores para outras áreas da cidade.
Imagem 2: Território do Porto do Capim
Fonte: Acervo da pesquisadora Helena Gonçalves, 2019.
Em 2014 o Porto do Capim foi reconhecido pelo Ministério Público Federal, via parecer antropológico, como Comunidade Tradicional Ribeirinha. O que torna esses sujeitos ocupantes legítimos desse território.
Com objetivo de transformar a área de fundação da cidade num espaço para fruição estética e museal com fins turísticos, uma série de ações de revitalização vem sendo formulada por gestores do centro histórico desde a década de 1990, essas ações compõem o Projeto de Revitalização do Antigo Porto do Capim, o qual prevê a remoção da população local para a construção de praças e implementação de turismo náutico. Tal projeto vem sendo reformulado ao longo dos anos e sob a justificativa da necessidade de resgatar o vínculo entre o rio e a cidade, todas as versões do projeto de revitalização preveem a remoção da população local.
Em 2013, a partir de convênio firmado entre governo federal e prefeitura municipal, por meio do PAC Cidades Históricas, as intervenções previstas no Porto do Capim tornaram-se uma ameaça muito próxima a continuidade do modo de vida de seus moradores, uma vez que o projeto prevê a remoção das moradias para implantação de um complexo turístico. A eminencia da remoção provocou a organização política dos moradores em defesa do território, esse é o caso da Comissão do Porto do Capim em Ação, da Associação de Mulheres do Porto do Capim e do Grupo de Jovens Garças do Sanhauá. Esses grupos contam com uma rede de apoio e parceiros que se solidarizam a causa, como ONGs e a Universidade Federal da Paraíba, principalmente através da extensão universitária, proporcionando a execução de uma série de projetos envolvendo diversas áreas do conhecimento.
Atualmente a comunidade segue mobilizada e em luta em defesa do território, se reconhecem não só como parte do centro histórico, mas como patrimônio vivo desse sítio. Reivindicam que suas histórias, suas tradições e suas memórias sejam incluídas e respeitadas pelo Estado.
Festas
Com o objetivo de atualizar e fortalecer vínculos comunitários e promover interação com a população da cidade, os moradores do Porto do Capim organizam algumas festas ao longo do ano, entre elas as principais são: Carnaval (mês de fevereiro), São João (mês de junho), Raízes do Porto (5 de agosto), Procissão de Nossa Senhora da Conceição (8 de dezembro) e Natal Cultural (mês de dezembro).
Dentre essas celebrações, a que mais alcança visibilidade é a Procissão de Nossa Senhora da Conceição. Contam os moradores que há 30 anos Dona Penha, uma das primeiras moradoras do Porto, fez uma promessa para Nossa Senhora da Conceição e, quando teve sua graça alcançada se comprometeu a realizar, todos os anos, uma procissão fluvial até a Ilha da Santa, onde é realizada uma missa.
A celebração começa com a alvorada e um café da manhã servido na Igreja São Frei Pedro Gonçalves, localizada próximo ao bairro, no centro histórico. Após o café da manhã a procissão terrestre segue com a imagem da Santa até as margens o trapiche, quando os fiéis vão de barco até a Ilha da Santa, onde é rezada uma missa.
Imagem 3: Procissão de Nossa senhora da Conceição. 8 de dezembro de 2019.
Fonte: Acervo da Pesquisadora Helena Gonçalves, 2019.
Turismo Comunitário
As ações organizadas pelo Coletivo de Jovens Garças do Sanhauá estão relacionadas, principalmente, a manutenção do Ponto de Cultura Comunitário do bairro, a formação política dos adolescentes e na gestão do projeto Vivenciando o Porto, um projeto de turismo comunitário. O pacote da visita é composto por um tour guiado pelo bairro, uma apresentação no ponto de cultura sobre a história de luta dos moradores em defesa do território, almoço elaborado de acordo com a culinária local, a Mariscada e apresentação do grupo de dança As Comadres. O pacote completo custa R$ 30,00 por pessoa. Para realizar o passeio é necessário formar um grupo com dez pessoas.
Imagem 4: Vivenciando o Porto.

É nessa edificação onde é iniciado o trajeto do Vivenciando o Porto é contada a história de construção do Porto Internacional do Varadouro, com foco nas histórias dos trabalhadores do Porto e na chegada das primeiras famílias na região. O passeio segue caminhando pelas principais ruas do bairro, visita ao trapiche e o circuito termina no Ponto de Cultura, onde o grupo faz uma apresentação sobre o histórico de luta da comunidade.
Demolições
A atuação do Ministério Público Federal propiciou a condução de um diálogo entre comunidade e a prefeitura, na intenção de encontrar soluções para atender os interesses de ambos. No entanto, a prefeitura rompeu o processo de negociação construído durante os últimos três anos quando em março de 2019 os moradores foram surpreendidos com uma Notificação emitida pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente solicitando que as famílias desocupassem voluntariamente suas casas num prazo, improrrogável, de 48 horas e ameaça multar aqueles que se recusassem a sair por meio de cobrança judicial via ação de execução fiscal. Os moradores receberam a notificação junto com a notícia de divulgação da execução do projeto Parque Ecológico Sanhauá, veiculado pelos canais das redes sociais da Prefeitura Municipal.
Importa contextualizar que no território da comunidade do Porto do Capim foram realizadas ocupações recentes de famílias que não se identificavam como comunidade ribeirinha e estabeleceram suas moradias na localidade com a intenção de conseguir participar de algum programa habitacional. E vale ressaltar que a rapidez do avanço da Prefeitura em proceder com o projeto do Parque Sanhauá é atípica.
Nos últimos meses, intensivamente, agentes públicos da prefeitura realizaram abordagens individuais com as famílias moradoras das três localidades do Porto do Capim abrangidas na primeira etapa do projeto. À medida que acordos pontuais foram firmados com algumas famílias que concordaram com a remoção, a prefeitura iniciou uma intervenção violenta na comunidade.
Sob o pretexto de evitar novas ocupações nos imóveis das famílias que aceitaram o auxílio-aluguel, a prefeitura decidiu por demolir as residências desocupadas. No entanto, a forma agressiva que tal medida foi realizada provocou inúmeros prejuízos e transtornos para os moradores que compõem a comunidade tradicional e ribeirinha do Porto do Capim. Rachaduras, paredes quebradas, casas com abastecimentos de luz e água comprometidos, entulho e sujeira provocados pela demolição espalhado pela localidade, comerciantes locais prejudicados com o abastecimento de seu estoque, em virtude do cenário de destruição.
Imagem 6: Demolições de casas. Maio de 2019.
Fonte: Acervo da pesquisadora Helena Gonçalves, 2019.
ESPAÇOS COMUNITÁRIOS
Ponto de Cultura
O Ponto de Cultura Comunitário é um espaço destinado as atividades educativas direcionadas as crianças do bairro. A responsabilidade pela gestão é do Coletivo de Jovens Garças do Sanhauá, que mensalmente organizam eventos, como bingo, bazar e almoços para arrecadar o valor necessário para o pagamento das despesas de energia elétrica e aluguel.
Imagem 7: Sede do Ponto de Cultura Comunitário
Fonte: Acervo da pesquisadora Helena Gonçalves, 2019.
Praça da Resistência
Em resposta às ações de demolição promovidas pela prefeitura municipal, os moradores organizaram mutirões para limpeza dos terrenos e retirada dos entulhos e criaram um espaço de uso coletivo, uma praça, onde os moradores se reúnem no fim de tarde, onde as crianças brincam de bola e bicicleta, o espaço também é utilizado para realização de eventos, como o I Seminário Entre Redes, organizado pela Associação de Mulheres, onde foi discutido questões relacionadas ao direito ao território de comunidades tradicionais.
A Praça da Resistência marca um momento da luta dos moradores que foi extremamente dolorosa, a destruição de parte do bairro, mas diz respeito também a forma como os moradores elaboram respostas às ações de remoção. A existência da praça, ao mesmo tempo que remete a um momento crítico na vida dessas pessoas, também é um símbolo de fortalecimento da organização de moradores, que lutam todos dias pelo direito de habitar o centro histórico da cidade.
Imagem 8: Praça da Resistência
Fonte: https://www.brasildefato.com.br/2019/08/31/artigo-or-pare-olhe-e-escute-o-porto-do-capim-resiste/
Para mais informações acesse:
Pesquisa e texto
Helena Tavares Gonçalves
Programa de Doutorado em Ciências Sociais, IFCH